sexta-feira, 29 de maio de 2009

A morte do autor

18 de maio de 2009
Acabo de viver uma experiência inteiramente inusitada de pesar e, ao mesmo tempo, de estranhamento frente a uma perda. Estava no escritório de casa com um livro com o qual fui recentemente presenteada. Após algum tempo de leitura, resolvi abrir o computador e qual não foi o impacto quando li a notícia do falecimento, no dia anterior, do autor do livro que estava lendo! O livro: "Primavera num espelho partido". O autor: o uruguaio Mario Benedetti.

Ainda bastante envolvida e emocionada, a memória me trouxe alguns rápidos dados de sua trajetória como escritor. Autor de exceção, publicou mais de oitenta livros entre ficção, poesia, ensaio e teatro. Construiu uma literatura de alcance continental, por ter sido um intelectual profundamente engajado com as questões políticas e históricas da América Latina expressas em suas obras, sempre portadoras de qualidade incontestável. No entanto, esclarecia quando oportuno: "Nunca fui comunista, nunca militei em partidos. Estive por algum tempo na Frente Ampla, mas como independente. Não sirvo para ser um dirigente. Para um intelectual é muito duro... Creio que possa fazer mais politicamente com o que escrevo que diante de uma tribuna."

Montevidéu foi sua grande personagem, não por meio de suas ruas e praças, mas do cotidiano de seus habitantes, em torno dos quais Benedetti construía uma narrativa carregada de imensa originalidade. Em 1973, devido a ditadura militar, teve que deixar o país e viveu exilado no Peru, na Argentina, em Cuba e na Espanha. Só depois de doze anos pode voltar ao seu Uruguai.

Ganhou projeção internacional em 1960 com "A Trégua", considerada sua melhor novela, que chegou a ser adaptada para o cinema. Alguns outros trabalhos importantes foram: "Quem de Nós", "Poemas de la Oficina", "Montevideanos", "Gracias por el Fuego" e "Primavera num Espelho Partido".

Gosto em especial de suas poesias. Para Mario, "a poesia é o gênero mais vulnerável à interferência da própria vida do poeta. Os outros gêneros são de ficção, a poesia não". Também aqui a política e as questões sociais estiveram presentes, mas são aquelas voltadas para a solidariedade e, principalmente, para o amor, as que conquistaram em definitivo seus leitores.

Nesses últimos tempos vinha trabalhando em mais um livro de poesia que receberia um título precioso: "Biografia para encontrar-me".

28 de maio de 2009
Só ontem consegui retomar minha leitura. Os personagens estavam todos lá e pacientemente aguardavam meu retorno: Santiago, Graciela, a menina Beatriz, Rolando e Dom Rafael com sua Lydia. Também Mario Benedetti me aguardava. Entreguei-me ao livro e cheguei ao final de um só fôlego. Me dei conta de que, seja como for, um autor nunca abandona seus leitores.