Daisy Justus
Macunaíma, o herói de nossa gente
“E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei
pra vos contar a história. Por isso que vim
aqui.”
Macunaíma - Mário de Andrade
Macunaíma, nosso personagem literário, está definitivamente inscrito como representante de parte determinante de nossa cultura. O herói sem nenhum caráter não é só o herói de sua gente, mas é também o herói de seu autor, Mário de Andrade.
Mário explica que encontrou a figura do herói sem caráter nos trabalhos do etnólogo alemão Koch-Grünsberg. Ao fazer uma adaptação do referido estudo, surpreende ao compor uma rapsódia, já que o texto não é romance nem conto. Em suma, “uma tese personalíssima”, uma observação inteiramente inovadora: a de que o povo brasileiro ainda não tinha formado seu caráter nacional. Uma alegoria que se propõe a decompor o mito do herói brasileiro. José Miguel Wisnick frisa a questão, lembrando que Mário não disse que Macunaíma é um mau caráter, mas sim um sem caráter. Trata-se de um caráter ainda em formação, marcado pela fusão de raças. Como um mosaico. Daí situar-se além do bem e do mal.
Nascido à margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica, atravessado pelo silêncio da noite, Macunaíma é filho dessa paternidade dupla (o etnólogo e o próprio Mário) e de várias mães, já que, citando Eneida Souza, “foi gerado com a ajuda de múltiplas vozes sopradas na orelha materna. Macunaíma nasce, segunda a lenda, como os heróis míticos, sem a presença paterna, sendo naturalmente concebido no útero de uma mulher virgem.”
Recusou-se a falar até os seis anos de idade e ao pronunciar a frase “Ai que preguiça”, carimba seu passaporte para entrada no reino da linguagem. Eis que “Acorda herói falante de muitas línguas”. Assim sendo, ainda que sempre preguiçoso, dominará no futuro o mundo da linguagem em toda sua amplitude e riqueza.
Estamos diante de um “herói incaracterístico”. Macunaíma não é só preguiçoso: ele tem outros “atributos”. É sensual, astucioso e ingênuo, mentiroso e sonhador. E trapaceiro. Sua imagem vai sendo construída a partir da fusão de diferentes personagens extraídos de vários textos tanto eruditos como populares. Resulta do cruzamento de identidades e nacionalidades heterogêneas, um enfoque multifacetado “cultivado tanto pelas vanguardas européias como pelas brasileiras, por sua multiplicidade, simultaneidade, rapidez e, portanto, proximidade com o mundo moderno”(Jaffe, N.)
A proposta de Mário de Andrade, ao abrir mão da criação de um personagem como efetivo representante de uma raça genuína, é apontar a mistura de raças que mantém vivo e constante o desafio de sustentação de nossa identidade. Desta forma um entendimento mais livre do herói só se sustenta “na sua composição mista, produto da união e do deslocamento de vozes diferentes”.(idem)
Macunaíma constrói, lembra Luciana S-Picchio , uma linguagem que é o resultado de um rigoroso estudo etnográfico e lingüístico de Mário. E aí temos um texto que explora as duplas negações (“Não sei não...”), insere o pronome átono no início da frase, e brinca com estas e outras formas de construção sintática. Uma arlequinada, para usar uma palavra cara ao autor. E, em meio a toda essa riqueza, surge a prova de força “em língua”, uma sátira ao português clássico, arcaico, como é o caso da "Carta aos Icamiabas", onde ele inverte o sentido da correspondência: enquanto os cronistas coloniais escreviam à cidade para contar sobre os índios, o Imperador Macunaíma escreve às suas súditas para descrever a vida "da capital do vício - São Paulo".
Leda Miranda Hühne lembra que Mário constantemente “construía sua obra em clima de jogo artístico, marca de seu trabalho” . Trata-se, porém, a meu ver de um jogo particular que conjuga o grave com o lúdico, a brincadeira com a solenidade, onde Macunaíma ocupa concomitantemente o lugar de grande parceiro e adversário de Mário de Andrade. Um parceiro que, ao narrar, confessa que mente. E, já que é assim, afinal, esse Macunaíma, afinal, constitui-se em uma verdade ou uma mentira? Um narrador especial, que traduz o que ouviu de um papagaio, um animal esperto, mas de fala repetitiva, que insere no seu discurso expressões populares, cacoetes, cantigas de roda e até provérbios e contos de fada.
A linguagem de Macunaíma, carregada de humor, de ironia, contraditória, panfolclórica, definida por seu próprio criador como “a língua de Macunaíma e de ninguém mais” expressa, ainda segundo Hühne, o extremo de “uma língua literária brasileira sem nenhuma base numa efetiva realidade lingüística nacional”.
O texto expressa a proposta de Mário de conceber a linguagem primitiva como originária, poética, tomada como alegoria. Nele há um predomínio da estilização e sistematização da língua oral, da fala do povo. Consta de metáforas consecutivas, “que se entrecruzam, se identificam e se diferenciam, podendo assim deixar em aberto os vários sentidos e vários planos que revelam a impossibilidade de adequar a narrativa aos dados imediatos do real ” (idem)e, acrescento: que fazem alusão a uma outra idéia, no caso à realidade do brasileiro no seu mundo.
O livro foi intencionalmente escrito com o instrumental que Mário de Andrade considerou como sendo a linguagem do Brasil. A fala de Macunaíma tem como ponto de origem a riqueza das fábulas e o desvio já previsto na linguagem primitiva, que se fez presente como resultado do apreço do autor por suas leituras da literatura de cordel, das lendas indígenas, dos seus estudos etnográficos. A linguagem modernista só fez potencializá-lo. Mário foi enfático:
_Será que não percebem que o que eu escrevo é
língua brasileira pelo simples fato de ser a língua minha,
a língua de meu país, a língua que hoje representa no mundo
muito mais o Brasil que Portugal: enfim: a língua do Brasil?
Impossível não haver um endereçamento direto desta língua que é toda a terra brasileira, ao contemporâneo de Mário, Bernardo Soares quando este afirma: “a minha pátria é a língua portuguesa”. Um certo desassossego, próprio aos escritores.
Macunaíma expressa na sua estrutura multifacetada a procura de uma linguagem dos tempos industriais brasileiros, tingida de tons tropicais, ao mesmo tempo que voltada para as questões interrelacionadas no passado e futuro, questões plurais, carregando europeus, africanos e amerabas. Sustenta o frescor de uma língua própria, nova, única.
Escrito em 1928, Mário ouviu dos modernistas que seu livro não era só novo, mas atual. Concluindo-o de forma indefinida, sugere reflexão. A ambigüidade de Macunaíma atravessa todo o texto e acompanha-o até o final. Mário antecipa-se ao que mais tarde seria tratado como “obra aberta”. Leva seu segredo para o céu.
A obra de Mário “desconcertou, provocou, fascinou multidões de leitores e de críticos”. Continua a fasciná-los e provocá-los, por tudo que sabemos, mas principalmente por ser “obra de fantasia e de poesia como poucas”(ibidem).
Emília, a Marquesa de Rabicó
“Emília não tem medo de ninguém; nem da vida, porque boneca propriamente não vive, nem da morte, porque boneca não morre. Não admite leis, nem regras, nem gramática. Não respeita cara nem autoridade. Bruxa de pano com olhos de linha preta, assim mesmo acha que tem tudo, não quer ouro nem fortuna, nem amantes, nem poder. Só quer aventuras e o direito de abrir a boca e opinar sobre o que bem entende. Emília, meu exemplo, e minha aspiração, tantas vezes meu raio de sol asneirento, faísca de liberdade, de coragem e de insolência, minha mestra e meus amores – Emília, Marquesa de Rabicó...”
Raquel de Queiroz
Emília é, sem dúvida, a grande criação ficcional de Monteiro Lobato. Pelo que irradia de vivacidade, de irreverência, de desconcertante e engraçado impôs seu lugar na galeria das personagens femininas marcantes da nossa literatura. A boneca é apresentada ao grande público na voz de seu criador como Excelentíssima Senhora Dona Emília no livro A menina do nariz arrebitado.
Já nas páginas iniciais o leitor tem notícias de que Narizinho estava sempre a conversar com a boneca, porém, só mais adiante, quando ela começa a falar de verdade, é que acontecerá sua metamorfose, transformando-se na criatura excepcional que seduz os leitores de Lobato.
Por isso a narrativa da aquisição do poder da fala é crucial na biografia de Emília. O Dr. Caramujo extrai por via cirúrgica as pílulas falantes da barriga do sapo, que tinha engolido todo o vidro e Emília, após prescrição médica, ingere uma delas. O autor explica:
“Emília engoliu a pílula bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A primeira coisa que disse foi: Estou com um horrível gosto de sapo na boca. E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor ela vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca.....
- “Isso é fala recolhida, que tem que ser botada para fora”, explicou o médico
E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego. Por fim, calou-se.”
Essa falação “será a marca registrada de Emília, apontada em diferentes momentos por todos e até pelo próprio narrador, que a ela se refere como torneirinha de asneiras”, afirma Marisa Lajolo.
Emília abusa de uma lógica implacável e sem limites, “que se alterna com um surrealismo cheio de non-sense e trocadilhos”, prossegue Lajolo. Pelo dom da palavra convence e muitas vezes impõe seus pontos de vista aos outros personagens, assumindo sua independência e a liderança nas incríveis aventuras do grupo.
Sustenta o lugar da diferença na literatura de Monteiro Lobato, tornando-se definitivamente estrela e musa do autor e de seus inúmeros leitores. Com uma postura crítica frente às normas e padrões pré-estabelecidos, questiona tudo e todos, sugerindo propostas desconcertantes e desafiadoras. Passa a ser vista como o porta-voz de Monteiro Lobato, um profissional sempre inquieto e muito crítico, atuante em diferentes áreas, não abrindo mão de participar de todas as questões importantes referentes ao seu país e à sua época.
Importante destacar que, ainda conforme o estudo de Marisa Lajolo, se através da fala Emília supera sua condição de ser inanimado, “ao manter-se boneca ela goza de uma liberdade muito maior do que a dos seres humanos” dos quais, afinal, é mera representação. “Além de imortal por natureza... a boneca falante Emília desfruta do melhor dos dois mundos: o das coisas e o das gentes, fecundando um com o ponto de vista do outro e vice-versa” (Lajolo), num rico jogo dialético. E essa foi a grande criação, o grande achado de Lobato.
Emília será sempre um personagem polêmico. Como curiosidade lembramos que o Visconde é o sábio, mas Emília domina-o completamente. Autoritária, faz com que ele cumpra todas as suas vontades, e essa “aliança” com ele irá se transformar numa ponte entre a ciência e a tecnologia, ao mesmo tempo que irá se solidificando no decorrer da obra de Lobato.
Situa a verdadeira moral num plano diferente, para além das normas e convenções, dos belos propósitos e de todo sentimentalismo. A verdade nua e crua é a base da sua moralidade. O sentido de estar no mundo é agir em favor dos próprios interesses e o melhor que pode ocorrer é que os fracos aprendam a ser como os fortes. A filosofia da Emília pode ser lida como uma reescritura dos autores prediletos de Lobato: Nietzsche, Schopenhauer e Spencer, observa Freitas Filho. O mundo se expressa por um duelo sem limites entre poderes que buscam a vitória sobre os infortúnios. Conforme a situação, os fins justificam os meios. A lei da vida é a lei do mais forte. A famosa “Lei de Gerson”.
E o procedimento básico de Emília, seu modo de subversão por excelência – ainda um eco de leituras nietzscheneanas – é desmascarar as palavras. Ela explora o trocadilho, o duplo sentido e o falso cognato, transmitindo ao pequeno leitor uma noção ao mesmo tempo lúdica, instrumental e prática da linguagem. Sem comprometer sua “invejável vitalidade prática, Emília é um ser eminentemente lingüístico” (Freitas Filho).
Dito de outra forma, ela desmonta a correspondência entre palavras e coisas, mostrando que a língua se presta a diferentes usos que dependem unicamente de seu contexto e posição. O exemplo princeps desta proposta está, é claro, em Emília no País da Gramática, mas esse comportamento da boneca é uma constante nos demais livros. Note-se que idêntico procedimento é adotado em relação às idéias e aos projetos, os quais são manipulados com a mesma mestria que ela tem com as palavras.
A boneca torna explícito o pragmatismo de Monteiro Lobato e sua estratégia para alcançar seus objetivos dando pouca ou nenhuma importância aos meios convencionais. Essa postura frente à tomada de posições, tanto de Emília como de Lobato, provocou muitas contrariedades ao escritor.
A proposta do autor foi também a de reescrever as fábulas tradicionais dando-lhes nova roupagem, redirecionando-as no que tange à moralidade. Seu texto terá como objetivo interferir na formação da estrutura emocional e identidade cultural da criança, indo muito além de um simples passatempo ou mesmo de uma contribuição à sua educação formal.
A magia das criações de Lobato se apresenta num cruzamento entre o olhar que atravessa a universalidade e sua trama com a matéria-prima regional, o que as torna acessíveis a toda e qualquer criança. Ao eliminar o preciosismo, Monteiro Lobato ficou frente a frente com o enigma da brasilidade, abusando de uma linguagem encharcada de oralidade e simplicidade. E será da Emilia a prioridade neste percurso.
Segundo Filipouski, “trazer a vida brasileira à consciência infantil e desenvolver um sentimento de nacionalidade atuante foi a mais importante função da literatura de Lobato que, por isso, se constitui na referência máxima da literatura infantil brasileira, permanecendo ainda hoje como um desafio atual”.
Uma articulação entre literatura, fala e linguagem
Roland Barthes defendeu a literatura como sendo o resplendor de uma revolução permanente da linguagem. Na conferência de março de 1964 , ao trabalhar a articulação entre os dois termos acima referidos, Foucault insere a obra como um terceiro a fim de compor um triângulo. Destaca, em primeiro lugar, que “a linguagem é tanto o fato das palavras acumuladas na história quanto o próprio sistema da língua”; em segundo lugar, existe a obra que é “essa coisa estranha no interior da linguagem, ou seja, aquilo que se constitui como volume opaco, provavelmente enigmático”. E por fim, “a literatura que é, de certo modo, um terceiro termo, o vértice de um triângulo por onde passa a relação da linguagem com a obra e da obra com a linguagem”.
Seguindo essa trilha, vamos trazer um quarto termo: a fala. A Psicanálise trata a linguagem como um sistema de significantes, mas a fala portará sempre a presença do desejo e da falta, fazendo a tradução do sujeito frente a si mesmo e de seu desejo. Para não desaparecer vivo, seu último recurso é falar. Sujeitos à palavra, Macunaíma e Emília passam a questionar o lugar da fala, da fala nossa de cada dia, essa fala tão pouco nossa, tão do Outro.
Falamos com o Outro e a relação de fala, por ser um diálogo, pressupõe um mundo simbólico comum aos interlocutores. Aquele que fala não constitui um significado, não produz um novo sentido, a não ser pelo próprio ato de fala, um ato que tem como horizonte o mundo na sua totalidade. Veremos que o sentido da fala está, portanto, na afirmação da certeza do sujeito, e deste referencial tanto Macunaíma quanto Emília são dois belos exemplares.
Porém, faz-se necessário ressaltar que ambos têm uma particularidade: nossos heróis falam tarde. Um, por preguiça e a outra, por ter a fala recolhida. Ou seja, ambos são portadores de falas tardias. Qual será, contudo, o apontamento desse tempo na constituição dos personagens, senão reforçar o potencial dessa fala? A história não escreve e impõe sua própria temporalidade, promovendo até mesmo sua reversão? Ela traz inserida simultaneamente o disfarce do sujeito e o desenvolvimento de sua verdade. Sua sustentação se faz a partir de um “ponto obscuro” central, situado fora dela mesma, ao mesmo tempo que permite o “acesso privilegiado desse recalcado atemporal”. Ela tem função de “revelação”, possibilitando ao sujeito seu advento como personagem central de sua própria história em todas as suas variações.
A linguagem é o balanço do movimento de esconder e desviar. Ela cuida desse movimento, “preserva-o, perde-se e confirma-se nele”. E assim fica claro que a palavra essencial do desvio é também a palavra em que gira o tempo, dizendo o tempo como virada, processo de revolução, destaca Maurice Blanchot.
Para Freud , o herói é sempre um usurpador da autoria coletiva do ato. Refere-se ao herói solitário em luta, contra tudo e contra todos, para fazer valer o seu desejo.
Lembra também que o escritor apresenta-o ao leitor de forma sedutora, a fim de que este estabeleça uma certa afinidade e identificação com o herói, com uma postura bastante condescendente e ainda avalizando suas transgressões.
Valendo-nos da expressão criada por Haroldo de Campos no seu estudo sobre Macunaíma, qual seja, a desorganização anárquica do herói, defendemos que o texto dos heróis nacionais, Macunaíma e Emília, se faz numa linguagem que transgride, desmonta, desconstrói suas próprias leis. Deste modo nos remetem a Maurice Blanchot, quando ele afirma que a essência da literatura “é escapar a toda determinação essencial, a toda afirmação que a estabilize ou a realize”, uma vez que ela “nunca está aí, ela sempre está por ser encontrada ou inventada”.
O texto não é somente, e muito menos se esgota em, uma única interpretação. O escritor porta apenas parte da palavra que escolheu. Sendo o leitor um sujeito para sempre barrado, cabe a ele compor a outra parte porque “o texto sobretudo o texto literário, é uma estrutura com lugares vazios”, segundo palavras de Costa Lima . Deste modo cabe ao leitor elaborar, inventar, como lhe aprouver, a partir das inúmeras possibilidades de que dispõe. Ou não.
O enfoque das vertentes interpretativas dos personagens de Mário de Andrade e de Monteiro Lobato, Macunaíma e Emilia, respectivamente, nos faz lembrar que eles existem como mitos modernos, e um de seus pontos de sedução é a falta de limites de ambos ao estabelecer uma relação lúdica e sincrética com a cultura e com a linguagem. Ao construírem a lei, deixam implícito a não submissão e a depreciação que dela fazem. Sendo assim abrem para o leitor uma trajetória individual para percorrerem seu rico universo simbólico.
Ram Mandil recorta em Blanchot que a literatura é uma experiência para ser levada adiante sempre em nome próprio. Deve ser tomada como aquilo que, ao dirigir-se para fora de si mesma, está indo, na verdade, em sua própria direção, “guiada pelo que tem de irreal, impossível ou irrealizável como essência”, já que ela constitui-se como “uma busca inquieta e infinita de suas próprias origens”, uma busca pelo “poema do poema”.
José Miguel Wisnik aponta que “o fim do conto é o canto”. Macunaíma desliza numa narrativa onde o início e o final são momentos que se ligam e se religam, provocando rotação. Narrativa circular, onde o conto e o canto da obra, “que narra e pensa o narrado” têm “a narratividade como o verdadeiro protagonista”. Já em Lobato, seus personagens protagonizam com a Emília histórias contadas do ponto de vista da criança, onde cada volume não passa de um capítulo, podendo ser lido separado ou em seqüência. Uma narrativa sem fim, calcada na atemporalidade do processo de criação.
Ainda com Blanchot, é possível avançarmos nessa análise concluindo que Macunaíma e Emília nos apontam que “o ato da escrita exige o abandono de princípios, ou seja, o fim e também a conclusão de tudo o que garante nossa cultura, não para voltar idilicamente atrás, mas antes, para ir além, ou seja, até o limite, com o objetivo de romper o círculo, o círculo de todos os círculos: a totalidade dos conceitos que funda a história, nela se desenvolve e da qual ela é o desenvolvimento. Escrever, nesse sentido, supõe uma mudança radical de época, ou seja, o “fim da história”. Escrever, desse ponto de vista, constitui uma das maiores violências que existe, pois transgride a Lei, toda lei e sua própria lei”.
Referências bibliográficas
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5- FILIPOUSKI, Ana Maria in AZEVEDO, Carmem Lúcia, CAMARGOS, Marcia e SACCHETTA, Vladimir. MOnteiro Lobato, furacão da Botocúndia. SP: SENAC, 1998
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12- MANDIL, Ram. Os efeitos da Letra, Lacan leitor de Joyce. RJ: Contra Capa/UFMG, 2003
13- MONTEIRO LOBATO, José Bento. Reinações de Narizinho SP: Brasiliense, 1957
14- SOUZA, Eneida Maria de. A Pedra Mágica do Discurso. BH: UFMG, 1999
15- SOUZA, Eneida Maria de. "Macunaíma, filho da luz" in Personae. SP: SENAC, 2001
16- STEGAGNO- PICCHICO, Luciana História da Literatura Brasileira. RJ: Lacerda, 2004
Nota: Escrevi esse texto para ser apresentado durante uma Jornada do Centro de Estudos de Fernando Pessoa em 2005. Minha opção por sua postagem nesse Blog foi como a de um texto inaugural, já que, a meu ver, ele faz uma tradução do que o Projeto Rayuela se propõe alcançar. Por outro lado me dei conta do quanto essa temática me é importante e de que ela me acompanha já há algum tempo.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
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Um comentário:
Gostei muito de seu texto, pois aprecio muito o personagem Macunaíma. Parabéns!
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